Samuel estava em sua sala, com a lareira acesa e o coração apagado.
A vida inteira ele ficou ali esperando algo acontecer. Algo que nunca aconteceu... Por isso, há muito tempo, ele parou de esperar qualquer coisa da vida.
Faltavam 13 segundos para o relógio marcar meia-noite e sua vizinhança inteira gritar "Feliz Natal!", ele acordar irritado e ir deitar-se na cama, como havia acontecido nos últimos 33 anos.
Faltavam só esses poucos segundos. Então, a porta de sua sala abriu-se. Um fenômeno raro. Podemos dizer que a probabilidade disso ocorrer era uma das mais baixas do Universo, visto que nem mesmo sua mãe — se estivesse viva — ousaria adentrar sua casa amarga, rígida e infinitamente hostil. Samuel acordou, olhou para o visitante invasor com o olhar mais ofensivamente triste que alguém já conseguiu fazer na vida. Não precisou de palavra alguma para expressar-se. Aliás, será que ele ainda sabia falar?
O visitante sabia, e disse:
— Olá! Como você está, amigo?
O olhar de Samuel respondeu-lhe, instantaneamente:
— ...
— Samuel, não sei você se lembra de mim ou se você ainda sabe que eu existo, mas eu sou o Papai Noel! Venha cá, dê-me um abraço, sinta a magia do Natal!
Samuel não se lembrava desse nome. Mas por alguma razão, as palavras ditas pelo velho alegre e caloroso provocaram, por incríveis segundos, alguma coisa prazerosa dentro de seu coração octogenário. Sua expressão não mudou, pois ela não sabia mudar. Havia mais de 33 anos que ele não fazia ideia do que era sentir algo prazeroso. Quando se aposentou, afastou-se da indústria e enrijeceu por completo. Tudo o que sabia fazer era trabalhar. Sem trabalho, não sabia fazer nada, e ficou durante anos esperando acontecer alguma coisa nova, revigorante, inspiradora... Na verdade, ele esperava isso desde que aprendeu a esperar. Nunca sentiu muita alegria na vida. Todavia, foi com a aposentadoria que qualquer sentimento de utilidade que ele ainda nutria sumiu completamente, junto com o pouco de esperança que nasceu com ele e sobrevivia, já capenga, ao seu pessimismo incalculável.
Samuel acordou com sua vizinhança gritando "Feliz Natal!", irritou-se e foi deitar-se no quarto.
Aquilo foi um sonho. Não havia Papai Noel algum.
Ele se deu conta disso e estranhou, afinal, há muito que tinha esquecido de como eram os sonhos e, mesmo, que eles existiam.
Apesar de irreal, aquele foi o melhor momento de sua vida (segundo sua memória, que sempre foi muito boa), porque ele pôde relembrar o que era felicidade (ainda que por poucos segundos), o que era sonho e como, talvez, seria o Papai Noel (e até mesmo "o que" era um "Papai Noel"!).
Apesar de não alterar em nada a sua rotina amarga, a ilusão causada por aquele sonho proporcionou um pouquinho de paz durante os próximos — e últimos — dias de sua vida.
Ninguém sabe se é verdade (e quase ninguém acredita que seja), mas houve rumores de que Samuel morreu porque seu coração não suportou bombear os sentimentos quase bons que começou a ter após tal evento — o sonho.

muito bom ;
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